quinta-feira, 24 de novembro de 2016

"A Chegada" tem grau de relevância máximo nos tempos atuais

O quanto um filme é relevante para os tempos atuais? O último Oscar parece ter levado isso muito em conta na última premiação, que tinha “The Revenant” como favorito, principalmente por seus brilhantes aspectos técnicos e atuação ultracomentada de Leonardo DiCaprio (que finalmente ganhou). Mas no final, “Spotlight”, filme-denúncia sobre a investigação da imprensa em cima dos crimes de pedofilia da igreja católica em Boston levou a melhor, em um raro ano em que o melhor filme ganhou apenas duas estatuetas (o outro foi roteiro original).

E se formos levar em questão este quesito, relevância aos tempos atuais, “Arrival” (A Chegada), a nova investida do diretor canadense Denis Villeneuve, já sai com nota onze! O filme trata da chegada de espaçonaves alienígenas em vários pontos da Terra, com foco especial na nave parada no estado americano de Montana.



Em vez de partir para uma abordagem a la “Independece Day”, o filme aposta em alienígenas que não atacam e, muito originalmente, não chegam falando inglês como em todos os filmes. O foco permanece então em como entrar em contato com os mesmos. Eis que entram entra a protagonista, a excelente Amy Adams, interpretando a linguista Louise Banks. Ela será a responsável por decifrar a misteriosa linguagem dos aliens, baseada em ideogramas.

A difícil comunicação com os aliens expõe, na verdade, o outro problema, do filme e também de nossos tempos atuais: o medo, os pré-conceitos e a falta de comunicação e cooperação entre os povos. As várias investigações ao redor do mundo andariam muito mais rápido e teriam resultado muito mais efetivo com a união de todos, algo extremamente óbvio nos dias atuais, mas que o ano de 2016 expôs como algo cada vez mais distante de acontecer, apesar de todo o avanço tecnológico já conseguido pela humanidade.

E isso é apenas uma parte do filme: as teorias sobre tempo e espaço e mais o fio-condutor emocional da relação de Banks com a sua filha também são extremamente bem conduzidos pelo filme, que tecnicamente também tem em sua trilha sonora (do inovador Jóhann Jóhannsson, pela terceira vez trabalhando com Villeneuve) e a fotografia de Bradford Young seus pontos altos.

Um dos melhores filmes do milênio até aqui!

quinta-feira, 28 de abril de 2016

"Civil War" destrói maniqueísmos com roteiro afiado e elenco estelar

Os filmes do Capitão América foram todos excelentes e em uma escala crescente. Se já achava o "Winter Soldier" o melhor filme da Marvel, o terceiro, este "Civil War", roubou o título agora (o melhor filme de heróis ainda é o "Dark Knight"). Nem cabe a comparação com o tal Batman vs Superman, pois a direção dos irmãos Russo é diametralmente oposta a de Zack Snider: eles priorizam o real, tanto na ação quanto nos sentimentos; já Snider ama os CGIs estilosos e sentimentos... que sentimentos?

"Civil War" é um filme de heróis que os utiliza para falar de temas atuais, humanos, hiperbolizados pelo escudo de vibranium, a armadura de Tony Stark ou as teias do "Garoto"-Aranha: estão lá o olho por olho/pena de morte, terrorismo, o princípio de defesa a todos os cidadãos, o direito à democracia e a importância do pensamento crítico em um instante em que o comportamento de manada toma mais e mais conta das mídias (todas elas).

Chris Evans encabeça o maior e melhor elenco de um filme de super-heróis
Não há vilões ou bandidos, há apenas ações e reações e suas conseqüências. Mas o desafio de fazer um filme deste gênero sem o pensamento fácil do good guy/bad guy não seria possível apenas pela direção dos irmãos Russo ou o afiado roteiro de Christopher Markus e Stephen McFeely. O elenco deveria dar credibilidade, na tela, às ideias propostas. E neste quesito, só aplausos para os fixos dos Avengers Cris Evans, Robert Downey Jr., Scarlett Johansson, Jeremy Renner, Don Cheadle e Paul Bettany, além das participações estelares do consagrado William Hurt e do cult Daniel Brühl.

"Civil War" é obrigatório para ser assistido e essencial para ser absorvido. Você está realmente pronto para pensar e tomar decisões além do básico, como #TeamCap ou #TeamStark? Este é o real convite deste excelente filme.


segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Primorosamente orquestrado, "Whiplash" é pura tensão e recompensa

A temporada 2015 está harmoniosamente rica. Somente por "O Abutre/Nightcrawler" e "Whiplash", já valeu muito a pena saborear a safra. O filme vencedor o festival independente de Sundance é simplesmente o mais tenso que já vi na vida! Quem tem úlceras, convém uma boa dose de Eno antes da sessão.

Não, não estou falando de um filme de terror, nem um thriller psicológico ou um filme em um campo de concentração. A história gira em torno do personagem Andrew Neiman (Miles Teller), um estudante de bateria em uma das mais conceituadas escolas de música dos EUA e o seu professor, Terence Fletcher (J.K. Simmons), que personifica o ritmo das chicotadas em busca da perfeição e sincronia em sua banda.

O personagem de J.K. Simmons não só o coloca como o favorito ao Oscar de ator coadjuvante, mas já está no rol dos maiores vilões da história do cinema. Não há um só segundo em que ele está na tela em que você não está com, no mínimo, aquele nó na garganta de puro medo!

J.K.Simmons foi indicado ao Globo de Ouro e deve ser indicado ao Oscar pelo papel que conduz a trama, literalmente. Foto: 
Texto, direção (Damien Chazelle), fotografia e, principalmente, edição, são um show, primazia total da sétima arte. A seqüência final do filme é para ficar na memória de todos os cinéfilos, para todo o sempre! Corram para o cinema - estreia dia 8!

sábado, 20 de dezembro de 2014

Roteiro afinado e protagonista no auge conduzem o excelente "O Abutre"

Os filmes argentinos muitas vezes não tem uma grande produção, mas o roteiro é sempre afinado. Filmes americanos geralmente tem uma grande produção, mas roteiros nem sempre muito interessantes. Ou nem sempre... muitos tem efeitos especiais fantásticos e roteiros e argumentos bem definidos, como os filmes de Christopher Nolan, por exemplo.

O que é raro de se ver é um filme americano sem grande produção que possa brilhar intensamente tanto quanto ou mais que um "Interestelar", por exemplo. Mas isso acontece e aconteceu com "O AbutreNightcrawler", do estreante diretor Dan Gilroy, irmão menos famoso de Tony Gilroy (diretor de Michael Clayton).

A história de um aproveitador psicopata que resolve tornar-se um cinegrafista amador para fornecer imagens de crimes urbanos aos jornais matutinos não parece tão genial quanto o produto final do filme. O clímax da história me deixou literalmente na ponta da cadeira do cinema por mais de 10 minutos. Tudo isso sem efeitos especiais, sem explosões, somente com uma história muito bem conduzida por um texto absolutamente redondo e pela interpretação magnífica de Jake Gyllenhaal (críticos apontam um Oscar para ele - que deveria ter vindo em Brokeback Mountain).

O personagem central, Lou Bloom, é um produto de nossa sociedade. Dentro da lógica "mate ou seja morto", ele não encontra limites para conseguir o que quer, sucesso, diante de falas que parecem saídas diretas do Google e, muitas vezes, de reuniões corporativas de qualquer grande empresa de qualquer segmento profissional. Mais do que um filme que retrata a vida de telejornais à la Datena, "O abutre" é sim um retrato da sociedade e do tipo de ser humano em que cultuamos como bem-sucedidos.

Jake Gyllenhaal perdeu 20kg e buscou ficar parecido com um coiote faminto para o papel de Lou Bloom - foto: www.eonline.com

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Questionamentos quase validam o medíocre "Exodus"

"O Deus do Antigo Testamento é talvez o personagem mais desagradável da ficção: ciumento, e com orgulho; controlador mesquinho, injusto e intransigente; genocida étnico e vingativo, sedento de sangue; perseguidor misógino, homofóbico, racista, infanticida, filicida, pestilento, megalomaníaco, sadomasoquista, malévolo." O trecho do livro "Deus, um Delírio", de Richard Dawkins, deve ter inspirado e muito o diretor e produtor Ridley Scott quando concebeu uma nova versão para uma das histórias mais marcantes da bíblia: o Êxodo.

Sim, pois o risco de se mexer com um épico do cinema como "Os 10 mandamentos" é enorme. Não há dúvidas que Ridley Scott quis novamente fazer um épico com "Exodus". Quase conseguiu com "Gladiador" (tentando seguir "Spartacus"), mas com certeza falhou em sua nova superprodução. No elenco, se Christian Bale não comprometeu, também não brilhou; os veteranos-deuses Sigourney Weaver e Ben Kingsley foram subaproveitados; e a nova safra de atores, como Aaron Paul, parece ter sofrido com a evidente má edição do filme, que deve ter perdido no mínimo uma hora da versão do diretor por razões comerciais. 

Fora a maquiagem ruim em um elenco caucasiano demais para retratar o Egito antigo. Ponto para Mel Gibson, que com "A Paixão de Cristo", além de escolher um elenco etnicamente crível, fez todo mundo falar aramaico e latim. Espetáculo!

Mas voltando ao início e ao título da postagem. Apesar de não conseguir retratar tão bem historicamente a passagem bíblica como o filme de Cecil B. De Mille (o mestre dos épicos) ou a relação fraternal de Ramsés e Moisés como a animação "O Príncipe do Egito" (onde Ralph Fiennes, dublando Ramsés, teve uma atuação melhor que qualquer ator de "Exodus"), o filme traz um elemento novo: o questionamento da posição de Deus diante de todas as pragas acontecidas no Egito e também da personalidade de Moisés. Representado por um menino, e não uma voz do além atrás de um "burning bush", Deus realmente parece ser, no mínimo, vingativo. Já Moisés é muito mais um general assassino egípcio do que um pastor errante hebreu em boa parte do filme.

Apesar destes pontos positivos, desafiadores e modernos, o filme não se sustenta como um filme de Ridley Scott com grande elenco. Esperava mais, muito mais.


A parceria entre os grandes Ridley Scott (diretor) e Christian Bale (ator) não deu liga em "Exodus" - foto: patdollard.com