quarta-feira, 18 de junho de 2014

Villeneuve usa Lynch e Cronenberg para (tentar) adaptar Saramago em "O Homem Duplicado"

Li "O Homem Duplicado" de Saramago há alguns meses e o fato é que me deliciei muito mais com os enormes parêntesis narrativos que o prêmio Nobel de Literatura de 1998 fazia para tirar um sarro de seu protagonista (o famigerado Tertuliano Máximo Afonso) e todas as suas idiossincrasias e mediocridades da vida comum de um professor de História enfadonho, do que com o drama - totalmente surreal - que pode ser vivido quando se descobre que há alguém no mundo exatamente igual a você.

Jake Gyllenhaal interpreta o personagem duplicado em sua segunda colaboração com Dennis Villeneuve (a primeira foi em "Os Suspeitos"). Foto: www.sfstation.com

O motivo que me levou a ler o livro - que estava "mofando" no meu Kindle há alguns meses - foi saber que havia uma adaptação cinematográfica para a obra, dirigida pelo grande diretor canadense Denis Villeneuve - cujos dois filmes que assisti achei, um, muito bom - "Os Suspeitos/Prisioners" - e outro, absolutamente genial e impactante - "Incêndios/Incendies".

Villeneuve não caiu no mesmo erro que Fernando Meirelles na adaptação de "Ensaio sobre a Cegueira/Blindness", quando o diretor brasileiro quis praticamente seguir o livro. Se, para mim, Saramago não conseguiu ser dramático em "O Homem Duplicado" (se é que ele quis ser dramático, acho que quis muito mais criticar a inércia que temos à Ordem imposta pela sociedade muito mais por sua ridicularização a Tertuliano), em "Ensaio...", todo o drama e angústia do mundo estão ali.

O diretor canadense parece ter bebido na fonte de outros dois grandes (maiores que ele) diretores: usou o surrealismo do americano David Lynch para justificar a epígrafe da obra literária em seu filme - "O Caos é uma ordem a ser decifrada" - com a estética kafkiana e claustofóbrica do canandense David Cronenberg.

Para mim, o diretor acerta ao eliminar o humor da adaptação e de, com sucesso, concentrar todo o filme na angústia não do que é ter uma pessoa igual a você no mundo, mas sim da angústia de não saber quem é você mesmo. O Tertuliano das telas, o professor de História, tem sua história retratada no início do filme de forma repetitiva, para reforçar o quão medíocre e rotineira é sua vida. E a frase proferida por ele e que se repete é que todas as ditaduras da História tentam ter o controle sobre a situação, seja dando entretenimento ao povo, seja por outras artimanhas.

O filme mostra o personagem principal descobrindo erros em sua própria história e personalidade, que vão se misturando com a de sua "cópia" - o que fica evidente quando sua mãe (Isabella Rosselini!) afirma que ele sempre gostou de blueberries ou quando a esposa da "cópia" pergunta como foi o seu dia na escola (praticamente pistas de defeitos na "Matrix").

A cena final, que causa grande polêmica e é a maior citação à David Lynch no filme, para mim, evidencia a quebra final do mecanismo opressor da sociedade pelo protagonista, encurralando o sistema em um beco sem saída e, finalmente, decifrando a ordem caótica onde, talvez, tudo o que façamos em nossas vidas cotidianas realmente não tenha nenhum sentido. Outra detalhe que corrobora com esta interpretação é o título original em inglês, "Enemy": o inimigo não é o outro, o inimigo está além da compreensão e precisa ser decifrado para ser encurralado e, enfim, derrotado.

Se o argumento e as intenções de Villeneuve e do roteirista Javier Gullón (espanhol) são bastante abertas a interpretações, alguns pontos objetivos e altos do filme são mais claros e (também) para mim, dignos de todos os elogios: a fotografia (Nicolas Bolduc) e a trilha sonora (Danny Bensi e Saunder Jurriaans) merecem concorrer ao Oscar e ajudam a compor um clima absolutamente soturno a este filme desafiador. Assista e leia... quebre um pouco a sua cabeça!

PS: hoje faz quatro anos que Saramago se foi....  mas seus livros estão aí... vamos lê-los (vou começar mais um e depois escrevo sobre ele, sem precisar que haja uma adaptação cinematográfica para me empurrar ao Kindle).

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Dinklage e ação elevam "Game of Thrones" como fenômeno de crítica e público

A quarta temporada de "Game of Thrones" terminou ontem, com o episódio "The Children", chamado pelos produtores como "o melhor já feito" até então. Para mim, não passou de uma peça de publicidade para fechar a melhor temporada do show. O capítulo com certeza é excelente, mas muito mais arma o cenário para o quinto ano do que se constitui no melhor capítulo até aqui.

Nele, vemos elementos que fizeram deste ano o melhor da melhor série do momento: cenas de ação cinematográficas (e onde tudo, tudo mesmo pode acontecer - mocinhos quase nunca vencem por aqui) e a atuação de Peter Dinklage. O "fim" da jornada de Bran Stark pelo norte infinito e a luta do Hound contra a valorosa Brienne contam pela parte da ação; enquanto o final (o melhor sempre fica para o final), temos o embate entre Tyrion e Tywin Lannister, Peter Dinklage (favorito a todos os prêmios que a televisão pode dar - notadamente o Globo de Ouro e o Emmy) e Charles Dance, dois dos melhores atores das últimas décadas.

Tyrion (Peter Dinklage) em cena crucial de "The Children", o capítulo final da quarta temporada de "Game of Thrones". Foto: www.freakpopstudios.com.br

E disso, tiro a conclusão de quais foram os melhores momentos deste quarto ano: o nono capítulo, absolutamente cinematográfico, com a batalha no "Wall", entre "Night's Watch" e os "Wildlings" (com Kit Harrington - que não é dos melhores como ator - assumindo de vez o protagonismo do núcleo "Winter is coming") e tudo o que envolveu o julgamento de Tyrion Lannister, evidenciando o talento refinado do americano Peter Dinklage, com um sotaque britânico pleno.

Além do sucesso de crítica, "Game of Thrones" vem cavalcando forte para tomar o lugar de "The Walking Dead" como o show de maior audiência nos EUA. "GoT" já é a segunda maior audiência da história da HBO, com 13,4 milhões de espectadores (perdendo para "Sopranos", com 14,4 milhões em média em 2004). O show dos zumbis acabou seu quarto ano com 15,7 milhões, mas mais importante que a audiência é que "Game of Thrones" está em nível ascendente, enquanto Rick e o apocalipse dos mortos-vivos parece estar perdendo o fôlego.