sábado, 20 de dezembro de 2014

Roteiro afinado e protagonista no auge conduzem o excelente "O Abutre"

Os filmes argentinos muitas vezes não tem uma grande produção, mas o roteiro é sempre afinado. Filmes americanos geralmente tem uma grande produção, mas roteiros nem sempre muito interessantes. Ou nem sempre... muitos tem efeitos especiais fantásticos e roteiros e argumentos bem definidos, como os filmes de Christopher Nolan, por exemplo.

O que é raro de se ver é um filme americano sem grande produção que possa brilhar intensamente tanto quanto ou mais que um "Interestelar", por exemplo. Mas isso acontece e aconteceu com "O AbutreNightcrawler", do estreante diretor Dan Gilroy, irmão menos famoso de Tony Gilroy (diretor de Michael Clayton).

A história de um aproveitador psicopata que resolve tornar-se um cinegrafista amador para fornecer imagens de crimes urbanos aos jornais matutinos não parece tão genial quanto o produto final do filme. O clímax da história me deixou literalmente na ponta da cadeira do cinema por mais de 10 minutos. Tudo isso sem efeitos especiais, sem explosões, somente com uma história muito bem conduzida por um texto absolutamente redondo e pela interpretação magnífica de Jake Gyllenhaal (críticos apontam um Oscar para ele - que deveria ter vindo em Brokeback Mountain).

O personagem central, Lou Bloom, é um produto de nossa sociedade. Dentro da lógica "mate ou seja morto", ele não encontra limites para conseguir o que quer, sucesso, diante de falas que parecem saídas diretas do Google e, muitas vezes, de reuniões corporativas de qualquer grande empresa de qualquer segmento profissional. Mais do que um filme que retrata a vida de telejornais à la Datena, "O abutre" é sim um retrato da sociedade e do tipo de ser humano em que cultuamos como bem-sucedidos.

Jake Gyllenhaal perdeu 20kg e buscou ficar parecido com um coiote faminto para o papel de Lou Bloom - foto: www.eonline.com

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Questionamentos quase validam o medíocre "Exodus"

"O Deus do Antigo Testamento é talvez o personagem mais desagradável da ficção: ciumento, e com orgulho; controlador mesquinho, injusto e intransigente; genocida étnico e vingativo, sedento de sangue; perseguidor misógino, homofóbico, racista, infanticida, filicida, pestilento, megalomaníaco, sadomasoquista, malévolo." O trecho do livro "Deus, um Delírio", de Richard Dawkins, deve ter inspirado e muito o diretor e produtor Ridley Scott quando concebeu uma nova versão para uma das histórias mais marcantes da bíblia: o Êxodo.

Sim, pois o risco de se mexer com um épico do cinema como "Os 10 mandamentos" é enorme. Não há dúvidas que Ridley Scott quis novamente fazer um épico com "Exodus". Quase conseguiu com "Gladiador" (tentando seguir "Spartacus"), mas com certeza falhou em sua nova superprodução. No elenco, se Christian Bale não comprometeu, também não brilhou; os veteranos-deuses Sigourney Weaver e Ben Kingsley foram subaproveitados; e a nova safra de atores, como Aaron Paul, parece ter sofrido com a evidente má edição do filme, que deve ter perdido no mínimo uma hora da versão do diretor por razões comerciais. 

Fora a maquiagem ruim em um elenco caucasiano demais para retratar o Egito antigo. Ponto para Mel Gibson, que com "A Paixão de Cristo", além de escolher um elenco etnicamente crível, fez todo mundo falar aramaico e latim. Espetáculo!

Mas voltando ao início e ao título da postagem. Apesar de não conseguir retratar tão bem historicamente a passagem bíblica como o filme de Cecil B. De Mille (o mestre dos épicos) ou a relação fraternal de Ramsés e Moisés como a animação "O Príncipe do Egito" (onde Ralph Fiennes, dublando Ramsés, teve uma atuação melhor que qualquer ator de "Exodus"), o filme traz um elemento novo: o questionamento da posição de Deus diante de todas as pragas acontecidas no Egito e também da personalidade de Moisés. Representado por um menino, e não uma voz do além atrás de um "burning bush", Deus realmente parece ser, no mínimo, vingativo. Já Moisés é muito mais um general assassino egípcio do que um pastor errante hebreu em boa parte do filme.

Apesar destes pontos positivos, desafiadores e modernos, o filme não se sustenta como um filme de Ridley Scott com grande elenco. Esperava mais, muito mais.


A parceria entre os grandes Ridley Scott (diretor) e Christian Bale (ator) não deu liga em "Exodus" - foto: patdollard.com