sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Multidimensional, "Interestelar" é novo marco da ficção científica

"Interestelar/Interstellar" é mais um filme que comprova que Christopher Nolan não erra. Não existem filmes ruins vindos dele, o que, por um lado, sempre nos coloca em um grau elevado de expectativa diante de suas produções. A sua superprodução que estreou hoje no Brasil, com o mais novo hiper-ator de Hollywood, a fênix renascida das comédias românticas idiotinhas e dos filmes de ação quase B, Matthew McConaughey, talvez seja o seu melhor filme, o que pode ser comprovado nas décadas vindouras.

O talvez venha do espetáculo que é "Dark Knight". Ali há toda a trupe técnica de Nolan, excelente, como se comprovou em "A Origem/Inception" por exemplo, aliada a interpretações fantásticas e um roteiro provocativo em cima de um tema que nunca foi levado à sério - superheróis. Nolan o tornou sério.

A ficção científica está em outro patamar dos superheróis, mas também tem um certo preconceito contra si. Os roteiros nunca são considerados os melhores, apesar de clássicos como "2001", ou as produções acabam não sendo levadas ao seu último nível de seriedade, já que não discutem temas "relevantes" ou politicamente consistentes, como o caso de "Gravidade", do ano passado, claramente o melhor filme, mas passado para trás no Oscar diante de "12 Anos de Escravidão/12 Years a Slave".

"Interestelar" não tem um roteiro ou direção melhores que "2001", um filme muito mais transcendental e aberto a interpretações e, claro, pioneiro; "Interestelar" não é melhor produzido que "Gravidade/Gravity", que claramente inspirou a filmagem espacial de Nolan, mas foi mais ousado a propor uma história que se passa exclusivamente no espaço e muito mais próximo de nossa realidade atual.

Mas "Interestelar" parece preencher as lacunas deixadas por estes dois filmes, sem os quais, obviamente, não existiria. A produção de Nolan não deixa muitas lacunas para serem imaginadas, sendo de mais fácil compreensão que o clássico de Kubrick, tornando-se um produto mais condizente com os dias atuais (#blockbusterfeelings). E em contrapartida ao filme de Cuarón, "Interestelar" é sim um filme político, ecológico e atual, que debate, de forma indireta, a exaustão dos recursos naturais e suas conseqüências devastadoras para famílias, países e o futuro da humanidade.

A história se passa em um futuro próximo, não determinado, em que culturas agrícolas são atacadas por uma praga terrível, não determinada, sobrando somente milho para ser cultivado. A fome mata bilhões de pessoas no mundo, além da dessertificação e as tempestades de areia. Em um mundo faminto, os agricultores são os mais valorizados, enquanto engenheiros (personagem de McConaughey) e outros cientistas, tem seus papéis bastante diminuídos.

Impulsionado pelo espírito científico que cultiva até mesmo com seus filhos dentro de sua fazenda (a ligação com sua filha Murphy - interpretada por Mackenzie Foy/Jessica Chastain/Ellen Burstyn - é crucial para o filme), McConaughey é convocado para uma viagem interestelar cujo objetivo é encontrar um novo mundo para que nós, humanos, possamos habitar. O elenco tem outras estrelas, como Anne Hathaway, Matt Damon, Michael Cane, John Lithgow e Casey Affleck.

A pequena Mackenzie Foy brilha em "Interestelar" - foto: www.inentertainment.co.uk

O filme também me lembra uma outra produção, que me impactou ainda mais - "A Árvore da Vida/The Tree of Life". Se o filme de Terrence Malik discute o transcendentalismo enfatizando o nosso ínfimo papel na história do universo, o filme de Nolan hipervaloriza nosso protagonismo, o que, por vezes, pode soar piegas (o que eu não achei, mas acredito que pode ser interpretado assim), mas, de verdade, tem um clímax extremamente emocionante e esperançoso.

O lado talvez mais importante do filme é o quanto ele pode popularizar as diversas teorias da física "moderna" aplicadas nele (o físico teórico Kip Thorne foi consultor do filme). Multiversos, teoria do caos, das cordas e a incrível teoria sobre a gravidade e sua capacidade de viajar no tempo e espaço (o fenômeno que acontece no quarto de Murphy explicaria muitos filme de terror- lol) podem ter a mesma influência que "Minority Report" teve sobre a nossa década (telas touchscreen por todo lado). Espero viver para ver, no mínimo, a aplicação práticas destas loucuras extremamente interessantes.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Frank Underwood: modelo da ou para sociedade?

POR RAFAEL YAMAMOTO* (spoiler alert para quem não viu a segunda temporada)



Finalmente, ele é o homem mais poderoso do mundo. De Gaffney ao Salão Oval. Ele realmente conseguiu. Homem forte, determinado, confiante e maquiavélico. Frank Underwood é um homem que todos nós deveriamos nos espelhar. Não? Aliás, ter poder e dinheiro é sinônimo de sucesso nas sociedades Ocidentais... não, não é.

Quem assiste House of Cards precisa ter cuidado. O anti-herói, representado por Kevin Spacey, não deve – e nem pode – ser visto como um modelo positivo para a nossa sociedade atual.

Dinheiro e poder não deveriam ser os nossos objetivos. Você já parou para pensar no significado da vida? “Por que estamos aqui?” “Para que vivemos?” “Será que eu deveria me matar de trabalhar para uma empresa? Qual o ponto disso?”

Quem já assistiu às duas temporadas sabe o preço que Francis teve que pagar para chegar até lá: traiu amizades, quebrou leis (jurídicas e éticas) e, acima de tudo, matou pesssoas. Ele não é um herói. Ele é o vilão do pior tipo que tem: aquele que não parece ser. Ele é tão persuasivo que ele não só manipula o governo, ele também manipula a audiência. Inclusive, audiência que ele nem ao mesmo finge que não está lá. Francis é realista. Ele sabe que estamos assistindo, e ele conversa com a gente. Olha nos nossos olhos e conta seus planos malignos que trará vantagens para ele. E só para ele. Ele nos encanta com suas piadas cínicas, seu carisma enganador e sua implacável ganância pelo poder. 

E isso me preocupa. Amigos que também assistem à serie ficam abismados e vibram com as manobras geniais de Frank. Até chegam a dizer que querem ser como ele. E isso me preocupa. Como alguém quer ter as características de Underwood? Será que é por causa do “jeitinho brasileiro”? Da Lei de Gérson? De como Frank Underwood ensina sua audiência a procurar o ponto fraco de seus oponentes e não ter piedade?

Agora, como uma pessoa com tantos pecados consegue viver? Leon Festinger, um psicólogo americano, criou a teoria da Dissonância Cognitiva. Basicamente, ele explica como nós, seres humanos, criamos e/ou, dependendo da situação, distorcemos realidade e verdades para olharmos para nós mesmos como boas pessoas. Se eu tivesse que adivinhar, diria que Frank, diferente da maioria dos políticos, é sincero consigo mesmo e não se enganaria ao dizer para sua própria consciência que está fazendo tudo isso pelo seu país. Em vez disso, ele teria coragem o suficiente de acreditar que o poder é a razão da nossa existência e apenas o poder nos trará felicidade. Não se engane pensando que Frank Underwood ficou com a consciência pesada ao matar Zoe, Peter Russo ou até mesmo o cachorro de seu vizinho.

Eu ainda tenho uma fé genuína e, talvez, ingênua na humanidade. Acredito que as necessidades humanas básicas não passam de amor, carinho e afeição. Todo o resto (ganância, inveja etc) é resultado do meio corrompido que vivemos.


Mas, quando assistir à terceira temporada de House of Cards (Fev/2015), tenha cuidado, não seja manipulado por Frank, amigo leitor. Não o veja como um modelo positivo de indivíduo. Olhe para ele como um modelo de uma pessoa que você não quer ser. A não ser que você queira ser egoísta, corrupto, infiel e podre. Porque embora a gente consiga mentir para os outros, no fundo, nós não conseguimos mentir para nós mesmos.

Cena já lendária da segunda temporada de House of Cards.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Estelar, "O Grande Hotel Budapeste" pode dar o merecido Oscar a Wes Anderson

Wes Anderson é o mais europeu dos diretores americanos. Sua originalidade estética e a linguagem escolhida para compor seus lexicamente ricos roteiros estão longe, muito longe da média do que é produzido nos EUA em décadas. Exemplos disso são seus sucessos anteriores, como "A Vida Marinha com Steve Zissou" (com Seu Jorge no elenco!), "Viagem a Darjeeling" e o fantástico "Os Excêntricos Tenenbaums". Não à toa, Anderson, mesmo com orçamentos mais parecidos com europeus que hollywoodianos, não tem problemas em conseguir reunir os melhores atores do mundo para papéis coadjuvantes em suas histórias.

O único problema de Anderson, se é que isso é um problema, foi ter criado uma assinatura tão forte e única que seus filmes davam a sensação de serem muito parecidos entre si. Este "problema" foi dissipado com "O Grande Hotel Budapeste". A história se passa em um país fictício do leste europeu no período entre as duas guerras mundiais, centrado em um personagem que administra o hotel do título logo após a contratação de um novo carregador de malas (lobby boy). Ralph Fiennes dá show como M. Gustave, um saudosista da Belle Époque, baseado no romancista austríaco radicado no Brasil Stefan Zweig, com um texto rebuscado afiado, com pitadas certeiras de coprolalia, garantindo altas (em decibéis mesmo) risadas - indicação ao Oscar garantida!

A fotografia, os cenários, as deliciosas interpretações caricatas estão lá, mas com um tempero único neste que é o melhor filme de Wes Anderson. Foto: www.vanityfair.com

Além de Fiennes, o novo filme do diretor americano tem talvez o mais estelar elenco do século: Edward Norton, Tom Wilkinson, Jeff Goldblum, Jude Law, F. Murray Abraham, Harvey Keitel, William Dafoe, Saoirse Ronan, Tilda Swinton (que vai garantir a indicação para Maquiagem - ou pelo menos deveria), Lea Seydoux, Mathieu Almaric e os onipresentes Adrien Brody, Owen Wilson e Jason Schwartzman. A novidade fica para o coadjuvante de Fiennes, o lobby boy Tony Revolori, que não se intimidou de contracenar com Fiennes.

Além do roteiro e elenco, a direção de Anderson deu ainda mais atenção a figurinos e cenários, além de prestar homenagem aos filmes alemães mudos com movimentos de câmera que remetem à década de 20 e 30, acrescentando ainda mais comicidade às cenas do fim de uma época glamourosa esmagada pelo totalitarismo e a guerra. Se "O Grande Hotel Budapeste" não é uma metáfora para passar uma mensagem à atualidade, é no mínimo uma grande realização cinematográfica em todos os aspectos técnicos (edição, fotografia, cenários, figurino, edição, som e maquiagem) e artísticos (roteiro, direção e elenco - será difícil tirar o SAG deste filme em janeiro que vem). É imperdível!

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Villeneuve usa Lynch e Cronenberg para (tentar) adaptar Saramago em "O Homem Duplicado"

Li "O Homem Duplicado" de Saramago há alguns meses e o fato é que me deliciei muito mais com os enormes parêntesis narrativos que o prêmio Nobel de Literatura de 1998 fazia para tirar um sarro de seu protagonista (o famigerado Tertuliano Máximo Afonso) e todas as suas idiossincrasias e mediocridades da vida comum de um professor de História enfadonho, do que com o drama - totalmente surreal - que pode ser vivido quando se descobre que há alguém no mundo exatamente igual a você.

Jake Gyllenhaal interpreta o personagem duplicado em sua segunda colaboração com Dennis Villeneuve (a primeira foi em "Os Suspeitos"). Foto: www.sfstation.com

O motivo que me levou a ler o livro - que estava "mofando" no meu Kindle há alguns meses - foi saber que havia uma adaptação cinematográfica para a obra, dirigida pelo grande diretor canadense Denis Villeneuve - cujos dois filmes que assisti achei, um, muito bom - "Os Suspeitos/Prisioners" - e outro, absolutamente genial e impactante - "Incêndios/Incendies".

Villeneuve não caiu no mesmo erro que Fernando Meirelles na adaptação de "Ensaio sobre a Cegueira/Blindness", quando o diretor brasileiro quis praticamente seguir o livro. Se, para mim, Saramago não conseguiu ser dramático em "O Homem Duplicado" (se é que ele quis ser dramático, acho que quis muito mais criticar a inércia que temos à Ordem imposta pela sociedade muito mais por sua ridicularização a Tertuliano), em "Ensaio...", todo o drama e angústia do mundo estão ali.

O diretor canadense parece ter bebido na fonte de outros dois grandes (maiores que ele) diretores: usou o surrealismo do americano David Lynch para justificar a epígrafe da obra literária em seu filme - "O Caos é uma ordem a ser decifrada" - com a estética kafkiana e claustofóbrica do canandense David Cronenberg.

Para mim, o diretor acerta ao eliminar o humor da adaptação e de, com sucesso, concentrar todo o filme na angústia não do que é ter uma pessoa igual a você no mundo, mas sim da angústia de não saber quem é você mesmo. O Tertuliano das telas, o professor de História, tem sua história retratada no início do filme de forma repetitiva, para reforçar o quão medíocre e rotineira é sua vida. E a frase proferida por ele e que se repete é que todas as ditaduras da História tentam ter o controle sobre a situação, seja dando entretenimento ao povo, seja por outras artimanhas.

O filme mostra o personagem principal descobrindo erros em sua própria história e personalidade, que vão se misturando com a de sua "cópia" - o que fica evidente quando sua mãe (Isabella Rosselini!) afirma que ele sempre gostou de blueberries ou quando a esposa da "cópia" pergunta como foi o seu dia na escola (praticamente pistas de defeitos na "Matrix").

A cena final, que causa grande polêmica e é a maior citação à David Lynch no filme, para mim, evidencia a quebra final do mecanismo opressor da sociedade pelo protagonista, encurralando o sistema em um beco sem saída e, finalmente, decifrando a ordem caótica onde, talvez, tudo o que façamos em nossas vidas cotidianas realmente não tenha nenhum sentido. Outra detalhe que corrobora com esta interpretação é o título original em inglês, "Enemy": o inimigo não é o outro, o inimigo está além da compreensão e precisa ser decifrado para ser encurralado e, enfim, derrotado.

Se o argumento e as intenções de Villeneuve e do roteirista Javier Gullón (espanhol) são bastante abertas a interpretações, alguns pontos objetivos e altos do filme são mais claros e (também) para mim, dignos de todos os elogios: a fotografia (Nicolas Bolduc) e a trilha sonora (Danny Bensi e Saunder Jurriaans) merecem concorrer ao Oscar e ajudam a compor um clima absolutamente soturno a este filme desafiador. Assista e leia... quebre um pouco a sua cabeça!

PS: hoje faz quatro anos que Saramago se foi....  mas seus livros estão aí... vamos lê-los (vou começar mais um e depois escrevo sobre ele, sem precisar que haja uma adaptação cinematográfica para me empurrar ao Kindle).

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Dinklage e ação elevam "Game of Thrones" como fenômeno de crítica e público

A quarta temporada de "Game of Thrones" terminou ontem, com o episódio "The Children", chamado pelos produtores como "o melhor já feito" até então. Para mim, não passou de uma peça de publicidade para fechar a melhor temporada do show. O capítulo com certeza é excelente, mas muito mais arma o cenário para o quinto ano do que se constitui no melhor capítulo até aqui.

Nele, vemos elementos que fizeram deste ano o melhor da melhor série do momento: cenas de ação cinematográficas (e onde tudo, tudo mesmo pode acontecer - mocinhos quase nunca vencem por aqui) e a atuação de Peter Dinklage. O "fim" da jornada de Bran Stark pelo norte infinito e a luta do Hound contra a valorosa Brienne contam pela parte da ação; enquanto o final (o melhor sempre fica para o final), temos o embate entre Tyrion e Tywin Lannister, Peter Dinklage (favorito a todos os prêmios que a televisão pode dar - notadamente o Globo de Ouro e o Emmy) e Charles Dance, dois dos melhores atores das últimas décadas.

Tyrion (Peter Dinklage) em cena crucial de "The Children", o capítulo final da quarta temporada de "Game of Thrones". Foto: www.freakpopstudios.com.br

E disso, tiro a conclusão de quais foram os melhores momentos deste quarto ano: o nono capítulo, absolutamente cinematográfico, com a batalha no "Wall", entre "Night's Watch" e os "Wildlings" (com Kit Harrington - que não é dos melhores como ator - assumindo de vez o protagonismo do núcleo "Winter is coming") e tudo o que envolveu o julgamento de Tyrion Lannister, evidenciando o talento refinado do americano Peter Dinklage, com um sotaque britânico pleno.

Além do sucesso de crítica, "Game of Thrones" vem cavalcando forte para tomar o lugar de "The Walking Dead" como o show de maior audiência nos EUA. "GoT" já é a segunda maior audiência da história da HBO, com 13,4 milhões de espectadores (perdendo para "Sopranos", com 14,4 milhões em média em 2004). O show dos zumbis acabou seu quarto ano com 15,7 milhões, mas mais importante que a audiência é que "Game of Thrones" está em nível ascendente, enquanto Rick e o apocalipse dos mortos-vivos parece estar perdendo o fôlego.